FILE PAI

ARTE PÚBLICA INTERATIVA
por Ricardo Barreto

A arte pública é muito antiga e, em um passado remoto, era vista inicialmente pelo público clássico pré-tecnológico de modo teofânico: através das obras de “arte”, as divindades tornavam-se presenciais e adquiriam vida na vida das pessoas. A arte pública foi assim adorada pelos cidadãos comuns do mundo antigo. Eles conviviam em seu cotidiano com templos, estátuas e tragédias que garantiam a presença dos deuses, e a arte distribuída pela cidade era de tal maneira imanente a eles, que nem conheciam o conceito de arte pública como algo separado de suas vidas.
Posteriormente, já na modernidade, quando se deu a separação entre a arte e a vida, a arte em geral tornou-se meramente estética e transcendente. Ela se refugiou nos museus e nas galerias de arte.

As pessoas comuns não tinham mais aquela proximidade com a arte que havia na época teofânica. Surgiu assim a necessidade, por parte dos modernos e iniciada pelos renascentistas, de levar aquela arte ao público em geral. No século XX, com a modernidade não representacional, a arte pública se deparou com novos desafios: levar obras abstratas e conceituais à fruição pública em geral. O desafio era trazer o grande público para as artes modernas. A arte pública moderna contemplativa, no entanto, não conseguiu, na maioria dos casos, o objetivo por ela proposto e viu, pelo contrário, o grande público se afastar ou ignorar tais manifestações, chegando em alguns casos à pura aversão. Isto obrigou o poder público algumas vezes à remoção de várias obras, por solicitação popular. As multidões não detêm e nunca detiveram os códigos estético-históricos da modernidade, monopólio da elite cultural moderna e contemporânea. O resultado foi a rejeição sumária das obras públicas, por parte das pessoas comuns.

Esta consequência dramática advém de uma visão analógica pelos fomentadores da arte pública contemplativa. Eles veem o espaço público como mero espaço vazio a ser preenchido: de um lado, por obras que originalmente foram feitas para o mercado de arte e não especificamente para elas, e de outro, por comportamentos padronizados, tais como o do cubo branco adotado pelo museu e pela galeria de arte. O mais assustador é que aquelas instituições que haviam retirado a arte da vida social servem agora como paradigma para levar a arte de volta ao seio da sociedade. Ora, isto nunca deu certo e nunca dará.

O ambiente público não é algo vazio, asséptico e morto como é o velho cubo branco, pelo contrário, trata-se de um ambiente pleno de vida, com múltiplos interesses e com múltiplos comportamentos.

No mundo das sociedades dinâmicas, a ambiência pública urbana do mundo contemporâneo tornou-se um sistema complexo, no qual estão inseridas milhares de variáveis, com milhares de pessoas que vivem, estudam e trabalham em megacidades. Se, por um lado, a ambiência urbana é formatada transcedentalmente pelo Estado, pelos governos, através das leis, regras e adestramentos comportamentais, mas também pelo controle e pela repressão, incluindo o mercado – através da publicidade e da produção da subjetividade –, por outro lado ela é um potencial imanente de acontecimentos emergenciais: a greve; a passeata; os grafites urbanos; a pichação; as atuais manifestações advindas da internet, mas também uma sociedade que cada vez mais vive em redes virtuais, exigindo das pessoas um desempenho interativo e participativo.

O desejo do público agora é participar, tornar-se ativo; as massas pós-analógicas querem se comunicar, editar seus conteúdos, produzir seus acontecimentos.

Na época da arte pública interativa, o estético cede lugar à ludicidade/didatismo, e a interatividade substitui as epifanias, bem como os códigos da contemplação do belo e do sublime. A época da arte como algo estético ficou de lado. A arte pública interativa do século XXI vive no mundo das epistemes digitais — cujas obras, tanto o conhecimento quanto a ludicidade, fruição com interação, são imanentes e inseparáveis.

Toda obra de arte sempre foi conhecimento e fruição, tanto para quem a faz como para quem a usa. Toda obra de arte implica em algum conhecimento, no mínimo que seja para sua fruição; quando isto não ocorre abre-se um hiato entre a obra e o público. Foi o que aconteceu com as epistemes transcendentes modernas, que separaram o aprender do fruir; outrora, em uma pintura representacional, a cópia podia ser comparada com o original, o que garantia a um público mais amplo algum conhecimento, logo alguma fruição. No período moderno, com a destruição da representação, exceto no cinema, o aprender se separou do fruir, aprende-se na escola e frui-se no museu, na galeria, no teatro… Assim, o grande público, que não detinha os códigos, se afastou das artes modernas; elas tornaram-se desta maneira elitizadas e especializadas.

Nas artes digitais não há distinção, no seu uso, entre o aprender e o fruir-interagir. Isto garante o retorno do público, do grande público, fora das elites, ao mundo das artes, em um volume nunca visto e que só pode ser trabalhado de forma mais eficaz no mundo contemporâneo com estratégias públicas de interação digital. Entretanto, apesar de várias experiências nesse sentido, as cidades ainda não estão preparadas para esse novo advento, muito menos a iniciativa pública dos governos que pensam ainda burocraticamente de forma analógica e anacrônica, e isto em um mundo onde a inovação é o principal motor da economia.

Os governos têm que acordar rapidamente para esta nova realidade. Tudo está para inventar. Na época da episteme digital, o novo paradigma da arte pública será o da cidade interativa. Portanto, o desafio da arte pública interativa deverá ser: 1) criar novas interfaces tecnológicas em relação ao público e à cidade; 2) desenvolver estratégias que possam sinergizar os acontecimentos emergenciais que brotam das sociedades contemporâneas, ao invés de tolhê-los; 3) promover táticas públicas no intuito de se sair da fase de uso da tecnologia para a fase do aprender a produzi-la, e assim ir da inclusão para a produção digital em massa.O uso crescente de computadores e de celulares está transformando as multidões em massas inteligentes e emergenciais. Estarão os governos preparados para isso? O acoplamento cérebro-dispositivo digital está criando a ciber-inteligência e a ciber-criatividade, constituindo nas massas auto-organizações com resultados imprevisíveis. Elas estão se acelerando e tornando-se transconectivas. As emergências serão inevitáveis.

Daí a importância da arte pública interativa no sentido de compreender e absorver esses novos fenômenos sociais, e desta maneira constituir estratégias que possam interligar-se com esses novos comportamentos de massa. Caminhamos rapidamente para uma renovação urbana jamais vista: cidades inteligentes, cidades interativas, cidades emergenciais.