FILE GAMES 2017

FILE GAMES 2017: O descontrole voluntário

A curadoria do FILE Games 2017, a fim de reunir experiências que motivem o jogador a refletir sobre a sua interação, explora a participação estética da agência nos jogos buscando significados entre a tensão voluntária da perda de controle e a necessidade primitiva de ser respondido.
Os jogos digitais têm o potencial de expressão não só de representações como uma coleção de imagens, textos e sons, mas com um sistema dinâmico de comportamentos que evolui e se transforma organicamente.

Essas transformações, causadas e vivenciadas pelo jogador em comunicação com um sistema virtual – assumido como mecânico por conta da sua natureza digital –, em verdade, estabelece uma segunda camada dialogal mais profunda entre a expressão de um autor, maestro de um conjunto sistemas e regras que emergem como experiências latentes para o jogador; e o usuário que atua sobre seu avatar no sistema que é, por consequência, também reflexo da expressão do jogador e parte do canal de interlocução com essa voz imaterial desse autor implícito.

A sensação de controle, por vezes sofisticadamente falsa, concedida a esse jogador é cautelosamente mantida pela suspensão voluntária de descrença que sustenta esse mundo fantástico no qual esse diálogo efêmero e mutante se remonta e esvai a cada decisão do jogador que, então, se concretiza em ação lúdica significativa. Esse pulsar de domínio e incerteza é, talvez, a culminação artística do sistema lúdico como elemento estético.

O combustível dessa interação é o desequilíbrio proposital entre a satisfação do poder da escolha e o conflito causado pela abstinência do controle. Essa inconstância viabiliza o diálogo fundamental da experiência de jogo. A comunicação se dá além da representação imediata dos impulsos resultantes da interface, com desdobramentos introspectivos como a descoberta de significados assumidos como exclusivos do autor. O jogador se empodera não do controle sobre a troca, mas da capacidade de intuir a razão criativa do autor. A intenção de expressão que proporcionou o jogo passa a pertencer ao jogador.

Essa inversão de responsabilidades ocorre como epifania em “Inside” que discute as relações de controle traçando paralelos entre o jovem protagonista perseguido por um sinistro estado distópico. Esse mesmo menino exercendo domínio telepático sobre outros humanos; e, talvez, um meta-jogador, que desafia o pressuposto da interação do usuário.

Em “Old man’s Journey”, o jogador move montanhas para auxiliar o protagonista na sua viagem de reconciliação enquanto revela a carinhosa e dolorida narrativa de seu passado. A travessia das paisagens é um processo meditativo compartilhado entre o protagonista e o jogador, e expõe a fragilidade de ambos ao contrapor o poder de remodelar o mundo à inevitável passagem pela vida.

“Everything” é um jogo contemplativo de exploração do “ser” em multiplicidade de formas e escalas. O jogador assume controle de criaturas, objetos, partículas quânticas, corpos celeste ou do cosmos em um exercício de reflexão e curiosidade casualmente filosófica. A participação no jogo exige o reconhecimento de certa interconectividade de todos os seres que compõem o universo ao mesmo tempo que dissolve a noção de indivíduo enquanto o jogador “salta” entre entidades.

Daniel Moori
Curador do FILE GAMES 2017