Marcel.lí Antúnez Roca

Epizoo

Abstract:
A apresentação de Epizoo no FILE 2006 coincide com o 12º aniversário da primeira apresentação da performance, na Cidade do México. Naquela época os telefones celulares eram usados por uma minoria e a World Wide Web dava seus primeiros passos. Desde então Epizoo foi apresentado cerca de 150 vezes. Essas apresentações incluem cidades da Ásia, América do Norte, América do Sul e Europa. Epizoo foi produzido com (e ainda utiliza) uma tecnologia hoje histórica: processador 486, 100 Mhz, sistema operacional Windows 3.11. Apesar disso, mantém todo o seu frescor e a sua força simbólica. A performance representa, sem o saber, o manifesto da Sistematurgia; literalmente, dramaturgia de sistemas computacionais. Metodologia que mais tarde usei em minhas performances mecatrônicas Afasia (1998), POL (2002), Transpermia (2004) e Protomembrana (2006). No entanto, Epizoo discute, talvez melhor que qualquer de meus trabalhos posteriores, o paradoxo entre o corpo dionisíaco e a tecnologia apolínea. Os usuários da performance, ao mesmo tempo espectadores, operam com uma tecnologia artificial impiedosa enquanto telemanipulam meu corpo sensível e vulnerável. O texto abaixo foi escrito em 1995 e reflete as intenções originais da peça. EPIZOOTIA, da Enciclopédia Espasa Calpe: (de epi e zootia) Doença que acomete uma ou várias espécies animais por contágio, parasitas, influências atmosféricas ou por hóspedes intermediários. Algumas vezes as epizootias se espalham por grandes regiões e surgem de improviso e com irregularidade; outras, limitam-se a uma região pequena e aparecem com certa regularidade e constância, e então chamam-se enzootias. Equivale a “epidemia” no ser humano. Algumas dessas doenças são transmissíveis ao homem, como acontece com a raiva. Introdução Um dos grandes debates artísticos trata dos suportes técnicos que as disciplinas artísticas estão adotando e adotarão. Assim como no Renascimento a invenção da técnica de pintura a óleo permitiu um desenvolvimento prodigioso desse meio, a nova galáxia tecnocientífica traz tantas e novas possibilidades que é impossível sermos alheios a ela. A performance Epizoo nasce como resposta às possibilidades que esse fenômeno oferece, e aplica a tecnologia informática como um elemento nuclear da performance/instalação. Descrição Epizoo Retoma um dos velhos temas da Body Art: a exposição do corpo do artista, mas adaptando-o às novas possibilidades oferecidas pelas tecnologias mecânicas e informáticas. O resultado é um híbrido de performance e instalação. Formalmente, a peça consiste em uma série de mecanismos pneumáticos presos por dois moldes metálicos ao corpo do artista. Esses artefatos têm a capacidade de mover diferentes partes do corpo e o rosto do performer, tais como o nariz, as nádegas, os músculos peitorais, a boca ou as orelhas. Durante a performance, Antúnez permanece de pé como se fosse uma estátua viva sobre uma plataforma giratória. Os mecanismos estão conectados a um sistema de eletro-válvulas e relês que, por sua vez, dependem de um computador. Este é dotado de um programa informático que gera até 12 ambientes graficamente animados. Essas animações recriam a figura do artista e indicam a posição dos mecanismos com que o espectador interage. Esse mesmo programa sincroniza sons e músicas que ilustram as infografias, as luzes que iluminam o performer e os movimentos da máquina. Na tela principal, situada atrás de Antúnez, são retroprojetadas as imagens geradas pelo computador, para torná-las visíveis a todos os espectadores. Mas a atitude de Antúnez não é passiva, e além dos mecanismos pneumáticos ele conta com um micro para amplificar sua voz e uma câmera de vídeo. Projetadas na tela, as imagens da câmera ampliam o efeito dos mecanismos. A performance transcorre da seguinte maneira: o público entra na sala onde estão instalados todos os elementos de Epizoo, enquanto na tela principal estão ativadas as instruções para o uso da interface gráfica e da performance em geral. Depois que o público entra no espaço, Antúnez aparece e veste os pneumatismos (mecanismos pneumáticos), a câmera de vídeo e o microfone. Uma vez terminado esse ritual, acende-se a primeira tela do jogo e, um a um, os espectadores que desejarem podem jogar. Antúnez responde aos estímulos com sua voz e a câmera de vídeo. O usuário de Epizoo encontra-se não só com um ambiente repetitivo, mas também com o performer ativo que expressa novos registros. Durante aproximadamente 25 minutos, um número determinado de espectadores se transforma em usuários da performance. Uma vez transcorrido esse tempo, o jogo pára, aparecem os créditos de Epizoo, Antúnez se despe e a seção termina. Diferentemente da performance tradicional ou da instalação, é o espectador quem controla o transcurso e a forma da peça. Num ato teledirigido de prazer e tortura, o público manipula o artista sem sujar as mãos. Intenções Marcel­.lí Antúnez deu um passo além na experimentação artística e deu à luz um mecanismo perverso, carregado de significados inquietantes. Epizoo é uma metáfora da maneira como se estabelecem as relações sexuais. Desde o aparecimento da epidemia de Aids até hoje, a mentalidade sobre as relações sexuais sofreu uma importante modificação. Estabelecer uma relação físico-afetiva com outro corpo com garantias de segurança passa pelo preservativo. Epizoo é uma contração de “epizootia” e quer, com esse título, apontar a idéia de contágio. O fato de que o mecanismo permite mover somente as partes do corpo humano que os manuais de sexualidade consideram zonas erógenas e evita o movimento das extremidades – coisa que o aproximaria da idéia de marionete – salienta essa idéia de intervenção erótica. O amante anônimo, o espectador, sobre o corpo de um amante afastado, Marcel.lí. Epizoo se cruza com outras formas de tele-relação, como o paradoxo da virtualidade do videogame diante do corpo vivo que sofre suas conseqüências. Ou como a ironia sobre os serviços telefônicos que propiciam uma comunicação sexual. Mas a relação usuário/sujeito com a do performer/objeto não é somente uma relação erótica ou irônica; a tecnologia abre outras formas de intervenção. A mais clara talvez seja a crueldade. Consciente ou inconscientemente, o usuário se transforma, além de amante telemático, em seu verdugo. Epizoo obriga seus usuários a assumir uma posição ética. A seqüencialidade temporal é uma constante básica na constituição da música, literatura ou artes cênicas. O hipertexto de Epizoo rompe a seqüencialidade e abre outras formas de intervenção. Com suas decisões, o usuário navega e determina os entornos do jogo, controlando a forma temporal da obra. É de certo modo o co-responsável pela “dramaturgia” e assim se transforma no sujeito da peça. A imagem tratada informaticamente de Marce.lí Antúnez é o ícone básico do jogo e um elemento central dos entornos interativos. Essas animações vão desde um estado prazeroso e agradável no primeiro entorno interativo, “Cel florit”, até o desagradável e obsceno “Extrem Golem”. Outros entornos podem levar a lugares oníricos, como “Somni” (o choro que não se escuta) ou EAX. Em Epizoo, Antúnez é o centro real e virtual da peça. E não se trata de um ator que interpreta um papel determinado, mas é o próprio artista, como costuma acontecer nas performances mais ortodoxas, que mostra a face. Essa atitude o afasta do teatro clássico – em que o autor escreve para atores – e o afasta da representação. Epizoo não tem gênero, passeia pelos confins difusos das artes cênicas ou das artes visuais, e considera necessária uma revisão da taxonomia das artes e das práticas de mercado. O que os dígitos propiciam é uma fusão de atividades e de ofícios artísticos. E na teoria deveriam simplificar as dificuldades técnicas determinadas por certas práticas artesanais. Mas o que realmente importa em Epizoo são as intenções e o ponto de vista de seu criador, quer dizer, seus conteúdos.

Biography:
Marcel.lí Antúnez Roca (Moià, 1959) é conhecido no cenário artístico internacional por suas performances mecatrônicas e instalações robóticas. Nos anos 90, suas performances mecatrônicas vanguardistas combinavam elementos como Bodybots (robôs controlados pelo corpo), Sistematurgia (narração interativa com computadores) e Dresskeleton (a interface esqueleto-corpo). Os temas explorados em seu trabalho incluem: o uso de materiais biológicos na robótica, como em JoAn? l’home de carn (1992); controle telemático por parte do espectador de um corpo estranho na performance EPIZOO (1994); a expansão dos movimentos corporais com dresskeletons nas performances AFASIA (1998) e POL (2002); coreografia involuntária com o Bodybot, REQUIEM (1999); e transformações microbiológicas nas instalações RINODIGESTIO (1987) e AGAR (1999). Atualmente ele trabalha na obra espacial e utópica TRANSPERMIA. No início dos anos 90 sua performance EPIZOO causou comoção no cenário artístico internacional. Pela primeira vez os movimentos físicos de um performer puderam ser controlados pelo público. Operando um videogame, o espectador interage com o bodybot usado por Antúnez, movendo suas nádegas, músculos peitorais, boca, nariz e orelhas. Essa performance salienta o paradoxo irônico e até cruel que surge da coexistência entre a iniqüidade digital virtual e a vulnerabilidade física do artista. Desde os anos 80 o trabalho de Antúnez se baseou numa constante observação de como os desejos humanos se expressam e em que situações específicas eles surgem. Primeiro nas performances tribais do La Fura dels Baus e mais tarde por conta própria, ele expressou seu interesse pela criação de sistemas complexos, em muitos casos híbridos, difíceis de classificar. O trabalho de Antúnez pertence tanto ao campo das artes visuais quanto ao das artes cênicas. Desde o início da década de 90, a incorporação e a transgressão de elementos tecnológicos e científicos na obra de Antúnez, e sua interpretação por meio de dispositivos únicos e específicos, produziram uma nova cosmologia – quente, crua, irônica – de temas tradicionais como afeto, identidade ou morte. Em suas obras esses elementos assumem dimensões extremamente humanas, o que causa uma reação espontânea do público. Ele também foi um dos fundadores do La Fura dels Baus, trabalhou na companhia como coordenador artístico, músico e performer de 1979 a 1989 e apresentou as macroperformances do grupo ACCIONS (1984), SUZ/O/SUZ (1985) e TIER MON (1988). Antúnez apresentou seu trabalho em diversos eventos internacionais, incluindo La Fundación Telefónica em Madri, P.A.C. em Milão, Lieu Unique em Nantes, I.C.A. em Londres, SOU Kapelica em Ljubljana, Cena Contemporânea no Rio de Janeiro, MACBA em Barcelona e DOM Cultural Center de Moscou. Apresentou-se nos festivais internacionais EMAF Osnabruc Alemanha, Muu Media Festival Helsinque, Noveaux Cinema Noveaux Medias Montreal, DEAF Roterdã, Spiel Art Munique, Ars Electronica Linz Áustria, DAF Tóquio, entre outros.