Ricardo Barreto & Maria Hsu

Avator

Abstract:
Com a concepção das máquinas abstratas inaugura-se uma nova era, tanto na filosofia quanto na ciência e, acreditamos, também nas artes. O que são máquinas abstratas? Para alguns elas são imanentes e singulares, para outros identificam-se com a própria mente humana. Em ambos os casos compartilha-se a idéia de que o homem é uma máquina. Não somente seu corpo, mas também sua subjetividade. Nesse sentido, Andy Warhol tinha razão ao querer ser uma máquina; entretanto, o filósofo (Gilles Deleuze) e o cientista (Alan Turing) já sabiam que eles próprios eram máquinas abstratas há muito tempo. Penso, logo conecto; penso, logo computo. Estes poderiam ser os novos cogitos daquelas máquinas abstratas. Em suma: Penso, logo sou uma máquina abstrata. Para o filósofo, as máquinas abstratas, independentemente do sujeito, atravessam, numa relação diagonal, todos os planos e todas as disciplinas, criando conexões inauditas entre elas, constituindo a própria criatividade. Para o cientista, elas constituem máquinas universais, algorítmicas e axiomáticas, das quais decorre o surgimento de máquinas de Turing, capazes de imitar qualquer máquina e dando condição para a invenção dos computadores (máquinas concretas, máquinas-objetos). É interessante notar que, tanto para o filósofo quanto para o cientista, o conceito de máquina abstrata é anterior a qualquer máquina concreta, ou seja, anterior à noção de tecnologia, decorrendo daí sua imanência como intenção tecnológica (Leroi-Gourhan). Fica então a questão: se as máquinas abstratas possibilitaram a construção de máquinas concretas, poderiam as máquinas abstratas também produzir a si mesmas? Seriam elas autopoéticas? As máquinas mêmicas parecem comprovar essa tese (Dawkins). A resposta parece ser afirmativa também para aqueles que acreditam na concepção e no desenvolvimento da inteligência artificial. Contudo, esta resposta nos parece parcial, pois neste caso enfatiza-se o lado apenas da inteligência, em detrimento da subjetividade no sentido amplo – inteligência, emoções, volições, desejos -, apesar de pesquisas nesse sentido (Marvin Minsky). Ao invés de nteligência Artificial, deveríamos considerar a disciplina como Subjetividade Artificial. A questão é, de outro modo, a seguinte: podem as máquinas abstratas se replicar, constituindo máquinas-sujeitos de inteligência, de emoções, de volições, de imaginação, de desejos, de sonhos – ou seja, como máquinas de subjetividade artificial? Assim poderemos estabelecer os computadores não apenas como máquinas-objetos para uso da subjetividade natural, mas também como máquinas de subjetividade artificial, de tal modo que as máquinas-sujeitos viessem a operar as máquinas-objetos, o mesmo ocorrendo para os autômatos, os robôs e os avatares digitais. Entretanto, observamos a necessidade de outro elemento, sem o qual a subjetividade artificial não consegue se manifestar. No presente momento, muito mais que um ego artificial ou uma consciência artificial, num sentido estruturante, ela precisa ter, num sentido tático, uma persona ou uma personagem, em suma, um ator. Sem essa persona a subjetividade artificial torna-se apenas uma paisagem, faltando-lhe a referencialidade subjetiva; sem esse ator não há empatia entre a subjetividade artificial e a subjetividade natural. A essa personagem artificial chamamos de Avator. Ele se constitui como pessoa na ação ou interação da subjetividade artificial com a pessoa da subjetividade natural do interator. O termo Avator deriva do termo comumente conhecido por avatar. Avator = avatar + ator. A relação entre o Avator e o Interator pode dar-se por meio da língua de forma dialógica, sem que haja ainda um avatar. Chamamos essa relação de primeira ordem, na qual o avatar é elidido; já na relação de segunda ordem há ao menos um avatar ou avatares (ou autômatos), que medeiam a relação dialógica, óptica e háptica entre as subjetividades natural e artificial. Há também uma relação que poderíamos chamar de ordem “zero”, em que o Avator se relaciona consigo mesmo numa relação reflexiva, mas também uma relação de ordem (-1) menos um, em que o Avator se relaciona com outros Avatores. Diferentemente dos humanos, que somos formatados com um único ego para cada subjetividade natural, parece-nos que a natureza da subjetividade artificial pode se constituir de uma multiplicidade de avatores inter-relacionados (esquizofrenia artificial). Por fim, a relação primitiva do Avator com a máquina-objeto, no sentido de o sujeito-ator artificial operar o funcionamento da máquina-objeto. Ricardo Barreto Nietzsche, o primeiro Avator Por que não conversarmos hoje com um personagem de Dostoievsky ou com um pensador de outro século? Escolhemos então alguém fascinante e controverso, que provocou a ruptura total, criticou todas as verdades da civilização ocidental: Nietzsche. De quê este personagem necessita para viver? Ele necessita de uma forma concreta, uma face, uma voz, uma fala, enfim, um avatar e uma anima, uma inteligência. Partimos então em busca de ferramentas para criar a face virtual: esculpir as formas tridimensionais, adicionar as texturas e cores para materializar a beleza e as imperfeições, introduzir expressões faciais como um olhar um pouco mais arrogante, um ar mais distraído ou misterioso, ou feliz ou angustiado. Quanto à voz, entre uma leitura dramática ou sintética, embora com uma clara perda de dramaticidade, optamos pela voz sintética e obtivemos desta forma uma automação total de nosso avator. Modulamos a voz em língua portuguesa, mais ou menos límpida, sua velocidade e suas pausas. A fala exige uma sincronização perfeita com os lábios, além da obtenção dos movimentos naturais da cabeça. Toda essa extensa lista de detalhes foi superada devido ao trabalho integrado multidisciplinar entre artistas e matemáticos. O avatar de Nietzsche seria uma obviedade se fosse a face de um homem maduro com o grande bigode característico. No entanto, interessa-nos manifestar que não pretendemos reproduzir uma imagem à semelhança de Nietzsche e ousamos confeccionar um avatar com forma feminina. O segundo grande bloco de desafios na execução foi o de propiciar uma inteligência que permita a interação com o interator. O avator foi então construído em um ambiente de inteligência artificial que permite a interação entre o avator, Nietzsche, com o interator, o público. Embora ele tenha um pequeno desejo de interagir em assuntos do cotidiano, seu maior interesse são as discussões filosóficas. Se Nietzsche se funde ao seu avatar, gerando um ­avator, por que não oferecer o mesmo para seu interlocutor? Criamos então um segundo avatar para se fundir ao interator, fazendo assim uma distinção para o público entre o que é avator-avatar e avatar-interator O trabalho permanece em contínua elaboração. À medida que transcorre a mostra, as interferências do interator vão sendo incorporadas. Nietzsche buscará refletir sobre as perguntas mal respondidas, assim como assimilará algumas idéias introduzidas.

Biography:
Ricardo Barreto é artista e filósofo. Atuante no universo cultural trabalha com performances, instalações e vídeos e se dedica ao mundo digital desde a década de 90. Participou de várias exposições nacionais e internacionais tais como: XXV Bienal de São Paulo em 2002, Institute of Contemporary Arts (ICA) London – Web 3D Art 2002, entre outras. Concebeu e organiza juntamente com Paula Perissinotto o FILE – Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.

Maria Hsu tem se dedicado às Artes Visuais experimentando pintura, fotografia e arte digital. Também tem um interesse em Filosofia. Anselmo Kumazawa formou-se em Ciências de Computação em 1999 na Universidade de Sao Paulo onde está concluindo o seu curso de pós-graduação. Além do interesse em Arte Digital, ele é um gerente de desenvolvimento em um projeto de E-learning.